ANAIS
Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo
Seminário Central de S.Paulo
Musicologia e Estudos Culturais
BRASIL NA MÚSICA SACRA/ MÚSICA SACRA NO BRASIL
BRASIL NA MUSICOLOGIA / MÚSICOLOGIA NO BRASIL
JORNADAS DE RATISBONA (REGENSBURG)
1975
O Seminário Central de São Paulo foi uma das instituições consideradas em estudos de arquivos e bibliotecas realizados em São Paulo desde a década de 1960. Os resultados das consultas e as fontes levantamentadas serviram a partir de 1974 a projeto musicológico conduzido em cooperações com musicológos e pesquisadores de diferentes áreas de conhecimentos e da pesquisa na Europa.
O projeto, elaborado no Brasil tinha como objetivo contribuir ao desenvolvimento de estudos musicológicos orientados segundo processos em contextos globais. Foi sediado no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia e conduzido em contínuas interações com pesquisadores e instituições do Brasil e em cooperações com musicólogos e centros de estudos europeus.
O seu início em 1974/75 foi marcado pela atualidade de questões concernentes à música sacra e, em particular, ao século XIX. Essa atualidade de interesses e questionamentos levou a uma especial focalização de complexos temáticos correlatos no âmbito do projeto que, em princípio, tinha dimensões amplas, não sendo marcado por ideários confessionais. Um programa de estudos Brasil na Música Sacra, com especial consideração de São Paulo, foi conduzido nos anos que se seguiram, sendo discutido no âmbito de doutoramento em musicologia em 1979.
A atualidade de questões referentes à música sacra decorria, como no Brasil, de situações criadas pelos desenvolvimentos que se seguiram ao Concílio Vaticano II. Esses mudanças litúrgico-musicais foram acompanhadas de forma ambivalente por expectativas promissoras de renovação e por preocupações quanto à conservação e o cultivo do patrimônio musical de séculos. O abandono do latim, a substituição de obras polifônicas por cantos comunitários em vernáculo, foram alguns dos fatores que suscitaram expectativas e preocupações, exigindo revisões de concepções e convicções defendidas, propagadas e ensinadas durante décadas. Estas tinham marcadas desde o século XIX por correntes da restauração litúrgico-musical que, no século XX, tiveram como principal marco o Motu Proprio de Pio X (1903).
A celebração dos 450 anos de nascimento de Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), já preparada no Brasil em 1974, determinou em 1975 as reflexões em interações internacionais, levando, no âmbito do projeto brasileiro, aa uma primeira estadia de estudos em Roma.
A orientação do projeto brasileiro, marcada pelo direcionamento da atenção a processos e suas interações em dimensões globais, dirigiu a atenção a questões historiográficas concernentes à referenciação de desenvolvimentos posteriores segundo a época tridentina e um estilo palestriano, a permanências e mudanças no decorrer dos séculos e, sobretudo, á idealizações que marcaram o ideário de movimentos restaurativos no século XIX, em particular do Cecilianismo na Alemanha e na Itália nas suas extensões no Brasil.
A atenção foi assim dirigida no âmbito do projeto ao século XIX, marcado que fo não só por extraordinários desenvolvimentos técnicos e científicos, pela industrialização, desenvolvimentos urbanos, como também século da Restauração e do Historismo, da reação eclesiástica contra processos secularizadores e pelo anti-modernismo cujo principal marco foi o Concílio Vaticano I, assim como as suas continuidades no século XX.
O principal foco de interesses no âmbito do projeto musicológico brasileiro passou a ser a propagação do ideário de restauração litúrgico-musical e da vida religiosa em contextos europeus e internacionais, com especial consideração do Brasil.
O estudo da recepção de concepções e de obras de compositores inseridos em correntes da restauração litúrgico-musical, em particular do Cecilianismo na Itália e na Alemanha, assim como as suas consequências para o ensino e a vida musical puderam basear-se nos estudos anteriormente realizados no Brasil e, entre êles, áqueles do ensino e da vida musical no Seminário Central da Arquidiocese de São Paulo.
Essas estudos e fontes foram consideraos no início de 1975 em encontros em cidades que toram principais centros da restauração musical na Itália e na Alemanha, aqui em particular em Regensburg. Esses trabalhos foram orientados e realizados em cooperações com pesquisadores de música sacra brasileiros, entre êles com José de Almeida Penalva, fundador do Studium Theologicum de Curitiba, Eleanor Dewey, do Instituto Pio X de São Paulo, de Nicole Jeandot, principal rpesquisadora do arquivo do Seminário Central de São Paulo, assim como de religiosos de diversas ordens, como D. João Evangelista Enout OSB do mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro.
Desenvolvimentos precedentes
Os estudos partiram do convívio com sacerdotes, professores e seminaristas desde os anos que precederam o Concílo Vaticano II. A Schola Cantorum do Seminário alcançara ao redor de 1961 renome. As suas atuações em solenidades por ocasião de romarias a Aparecida do Norte eram altamente consideradas. As reformas desencadeadas pelo Concílio Vaticano II levantaram questões que abalaram convicções, perspectivas, a formação musical de seminaristas, repertórios e a prática musical em atos de culto e institucionais. Essa atenção ao Seminário nesses anos foi marcada por posições ambivalentes, eufóricas de muitos e negativas por parte daqueles que viam desmoronar edifícios de concepções e o trabalho de décadas.
Professores de conservatórios, mantinham sobretudo contatos com professores e estudantes do Seminário, salientando-se Furio Franceschini (1880-1976), organista da catedral, personalidade influente em meios católicos. Sobretudo os músicos e professores que se empenhavam no estabelecimento do Instituto de Mussica Sacra no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo atuavam em estreitas relações com o Seminário.
No Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão, marcado este pelo direcionamento da atenção a processos, as mudanças dos anos pós-conciliares e as discussões que suscitavam deu ensejo a estudos e reflexões. Reconheceu-se o significado dessas reformas que desencadeavam processos de amplas consequências, pois diziam respeito à formação de sacerdotes. Diziam respeito assim á formação daqueles que se tornavam agentes de mudanças em comunidades, na vida religioso-cultural de bairros e cidades. Reconhecendo-se o significado dessas reformas sob o aspecto educativo, foram ela tratadas em diálogos e estudos no âmbito da formação de professores de. músical em cursos do Centro de Pesquisas em Musicologia e, em nível superior, na Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo a partir de 1972.
Estudos de acervos e arquivos
A consciência da necessidade de estudos de acervos e arquivos em São Paulo foi despertada em meados da década de 1960 em estreitas relações com as mudanças na prática musical nas igrejas nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II. A exclusão de obras com textos em latim da prática musical nas igrejas, com a crescente substituição do antigo repertório coral e organístico por cantos comunitários em vernáculo com modesto apoio instrumental, levavam ao abandono de acervos ou mesmo á sua destruição.
Essa renovação de repertórios e práticas trazia consigo a perda de uma documentação de importância para estudos históricos de igrejas e instituições. Ela representava um risco para o estudo de desenvolvimentos da vida musical, do ensino e de difusões de obras, Essas preocupações marcaram as atividades de consultas a bibliotecas e arquivos, assim como ao levantamento de fontes conservadas por particulares no âmbito dos trabalhos Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão em São Paulo. Esses estudos corresponderam à atenção então dedicada á arquivística ou arquivologia na área da História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo em 1969.
Essa atenção ao Seminário nesses anos foi marcada por posições ambivalentes, eufóricas de muitos e negativas por parte daqueles que viam desmoronar edifícios de concepções e o trabalho de décadas. Furio Franceschini expressava as suas preocupações conernentes às reformas então em andamento, que abalavam convicções, perspectivas, princípios da formação musical de seminaristas, repertórios e a prática musical em atos de culto e institucionais, colocando em risco o seu trabalho de vida. Essas reformas desencadeavam processos de amplas consequências, pois diziam respeito à formação de sacerdotes e multiplicadores. Diziam respeito assim á formação daqueles que então se tornavam agentes de mudanças em comunidades, na vida religioso-cultural de bairros e cidades.
Os estudos dos acervos musicais do Seminário Central foram conduzidos sistematicamente a partir de 1969 por Nicole Jeandot, religiosa, pesquisadora e educadora, respondável por cursos de Formação Musical do Centro de Pesquisas em Musicologia da Nova Difusão. Esses estudos tiveram continuidade a partir de 1972 no âmbito de sua atuação na Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo.
Os exames do acervo de partituras do Seminário revelaram principais correntes de difusão musical que marcaram a formação musical de seminaristas e a vida sacro-musical do seminário na primeira metade do século XX. O repertório do Seminário foi marcado fundamentalmente pela orientação segundo o Motu Proprio de Pio X de 1903, assim como na legislação sacro-musical eclesiástica da primeira metade do século XX em continuidade e intensificação do movimento restaurativo católico do século XIX.
Música sacra de compositores italianos
O Seminário foi o principal centro de recepção e difusão do movimento cecilianista em São Paulo no século XX. Os elos com o cecilianismo europeu inseriram-se sobretudo no contexto do movimento catóiico restaurativo na Itália. O emprêgo de obras de compositores italianos que mais se destacaram na música sacra segundo os ideais restaurativos foi determinante no ensino e na prática sacro-musical do Seminário. Esses estreitos elos com a Itália em cidade e Estado marcado pela imigração italiana e pela presença de músicos italianos na sua vida musical explicam-se sobretudo pelo papel de liderança exercido por Furio Franceschini.
O movimento restaurador da música sacra na Itália era já de longa data, e os seus principais representantes encontravam-se presentes no repertório do Seminário Central de São Paulo. O acervo de partituras do Seminário apresentava-se, nas suas dimensões, como um extraordinário repositório de obras para órgão e de polifonia vocal da segunda metade do século XIX e primeiras décadas do XX de compositores, organistas, regentes, pedagogos e musicólogos dos principais centros sacro-musicais da Itália. Entre êles, encontrava-se presente nas coleções de partituras, entre os mais antigos, Filippo Capocci (1840-1911), Luigi Bottazzo (1945-1924) e Marco Enrico Bossi (1861-1926), este organista, pesquisador e educador que desempenharia papel particularmente significativo na música para órgão em São Paulo.
Como uma das personalidades de maior autoridade no ensino e na vida musical do Seminário nas primeiras décadas do século XX revelava-se no exame dos arquivos Giovanni Tebaldini (1864-1962), organista, compositor e musicólogo, também pelo fato de ter estudado com principais vultos do Cecilianismo alemão em Regensburg, e.o. com Franz Xaver Haberl (1840-1910) e Michael Haller (1840-1915), representando assim uma ponto entre correntes italianas e alemãs. A sua autoridade nos estudos sacro-musicais em São Paulo era devida sobretudo pela sua atuação como regente da Schola Cantorum e como segundo mestre-de-capela de San Marco em Veneza desde 1889 e como editor de La Scuola Veneta di Musica Sacra em 1892. Era diretor do Conservatório de Parma pela passagem do século e desempenhou papel relevante na consecução dos preceitos do Motu Proprio de Pio X (1903) em igrejas e instituições italianas.
O numero de obras de Oreste Ravanello (1871-1938) existentes no acervo do Seminário correspondia á ampla difusão de suas composições em igrejas, em grande parte explicável pela atuação de sacerdotes ali formados. Sem dúvida porém a persondalidade da música sacra italiana que maior autoridade exerceu no Seminário de São Paulo foi Lorenzo Perosi (1872-1956), sendo as suas obras frequentemente executas em atos de culto e solenidades festivas.
Entre os muitos organistas e compositores epresentados em em considerável número no acervo do Semiário encontrava-se Federico Caudana (1878-1963), cujas obras eram executadas pelo coro de seminaristas. O acervo do Seminário documentava estreitas relações mantidas com a Associação dos Cecilianistas da Itália, fundada em 1880. Entre os principais organistas e compositores cecilianistas representados no acervo salientava-se o sacerdote Raffaelle Manari (1887-1983).
O extraordinário significado do estudo de Palestrina e de obras orientadas segundo uma tradição palestriniana do ideário restaurativo dava testemunho a presença, na biblioteca do Seminário não só de composições como de estudos de Raffaele Casimiri (1880-1943), revelador de autógrafo de Palestrina em estudos desenvolvidos no arquivo musical Lateranense.
As obras criadas por Furio Franceschini para o uso noi Seminário revelavam a intensidade de seus estudos de obras de compositores como Ravanello ou Perosi. Obras de Ravanello foram executadas durante décadas nas celebrações do Domingo de Ramos do Seminário, o que se manifesta e.o. no Ingrediente Domino de F. Franceschini.
O Cecilianismo de contextualização italiana do Seminário correspondia à prática musical de cunho restaurativo em muitas igrejas, sobretudo naquelas onde atuavam sacerdotes italianos ou ítalo-brasileiros, assim como em conventos e escolas de ordens italianas.
Música sacra de compositores de língua alemã
Os estudos dos arquivos do Seminário demonstraram também o conhecimento e o cultivo de obras do movimento cecilianista alemão, que também foi sob vários aspectos de particular significado para a história do cecilianismo italiano, como no caso de Tebaldini. Composições dos principais representantes da música sacra do cecilianismo alemão foram divulgadas e cultivadas no Seminário. Na sua biblioteca podia-se constatar a presença de publicações relevantes do cecilianismo alemão, entre elas a revista Musica sacra, fundada em 1868 por Franz Xaver Witt (1834-1888). Em 1868 fundara-se a Allgemeiner Cäcilienverein für die Länder deutscher Sprache que, com o Breve Multum ad movendos animos de Pio IX foi reconhecida como de direito pontifício em 1870. Entre os principais representantes do cecilianismo alemão no acervo do Seminário menciona-se Michael Georg Haller (1840-1915). No Seminário entoava-se, entre outros, o Tantum Ergo de Witt, o Tantum Ergo de Johann Baptist Singenberger (1848-1924) e o Sacris solemnis de Peter Piel (1835- 1904).
Obras de Peter Piehl e de outros compositores cecilianos da Renânia como Michael Hermesdorff (1833-1885), Heinrich Böckeler(1836-18999 e o musicólogo Peter Wagner (1865-1931) podiam ser registradas no acervo do Seminário A execução da Paixão segundo São Mateus no Domingo de Ramos em obra para 3 vozes masculina (op.21) de Jakob Quadflieg (1854-1915), editada em 1924 por Friedrich Pustet, era uma das grandes realizações musicais do Seminário.
A recepção de obras da tradição cecilianista alemã interagiu com aquela marcada por contextos e processos culturais que devem ser considerados no contexto da Luta Cultural na Alemanha e suas consequênciasm ou seja, do Ultramontanismo. O acervo do Seminário documentava a presença e mesmo um crescente significado da atuação de Franciscanos alemães na música sacra no Brasil, liderados sobretudo por Fr. Pedro (Peter) Sinzig (1876-1952). Obras de Sinzig e daquelas difundidas em publicações dos Franciscanos de Petrópolis foram executadas e artigos teóricos e informações sobre a vida musical proporcionadas pela Revista Musica Sacra foram lidos, marcando atividades e os conhecimentos sobretudo nos anos que imeditamente precederam ao Concílio.
Otros contextos - edições dos Irmãos Maristas
Entre os outros contextos considerados nos exames do acervo do Seminário salientou-se aquele representado por obras divulgadas pela editora dos Irmãos Maristas, conhecida pelas iniciais FTD. Essas composições, de significado sobretudo sob o aspecto educativo e de uso em atividades catequéticas, foram consideradas a partir de concepções do irmão Théophane Durand (1824-1907), Superior Geral da Congregação Marista entre 1883 e 1907. Entre os cantos entoados no Seminário divulgados pela FTD registraramn-se o Mitte domine, de Mancini, o Sub Tuum, Prasidium, o Mitte Domine de J. B. S. Siqueira - assim como do Mitte Domine de João Baptsta Lehmann SVD (1873-1955).
Prática do falso bordão e do organum
O falso bordão foi intensamente praticado no Seminário Central.,assim como também no Seminário Menor de Pirapora. Aprendido pelos seminaristas, passou a ser praticado em numerosas igrejas de São Paulo, da capital e do interior. A prática do falso bordão foi empregada no ensino e no canto gregoriano. Cantos litúrgicos de edições eclesiásticas foram assim praticados a. várias vozes, correspondendo esse procedimento à valorização da polifonia vocal no ensino e na formação dos estudantes. Melodias de cantos religiosos transmitidos em publicações sacro-musicais foram também tratadas em falso bordão. Das elaborações em falso bordão destacavam-se aquelas de Haller.
Compositores e seminaristas, em particular também Furio Franceschini, elaboraram cantos do repertório gregoriano, sobretudo recitações salmódicas. Sacerdotes assim formados e que haviam internalizado a prática, passavam a entoar a mais vozes espontaneamente durante celebrações. Essa prática do gregoriano a várias vezes entoado espontaneamente dava origem a conduções errôneas ou não usuais de linhas melódicas, levando a dissonâncias. Esse procedimento tornar-se-ia tradição em várias comunidades, não só em São Paulo. A constatação de resíduos dessa prática nos anos que se seguiram ao Concílio levou a debates sobre as suas origens no Centro de Pesquisas em Musicologia, o que teve continuidade em centros musicológicos europeus no decorrer da década de 1970.
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